sexta-feira, novembro 28, 2003

Carta de uma Mãe Alentejana

Meu Querido filho,
Ponho-te estas poucas linhas para saberes que estou viva.

Escrevo devagar por que sei que não gostas de ler depressa. Se
receberes esta carta, é porque chegou. Se ela não chegar, avisa-me que
mando-te outra.Teu pai leu no jornal que a maioria dos acidentes
ocorrem a 1 km de casa. Assim, mudámo-nos para mais longe.

Sobre o casaco que querias, o teu tio disse que seria muito caro
mandar-to pelo correio por causa dos botões de ferro que pesam muito.
Assim arranquei os botões e coloquei-os no bolso. Quando chegar aí, prega-os
de novo.

No outro dia, houve uma explosão na botija de gás aqui na
cozinha. O pai e eu fomos atirados pelo ar e caímos fora de casa. Que emoção:
foi a primeira vez em muitos anos que o pai e eu saímos juntos.

Sobre o nosso cão, o Jolly, anteontem foi atropelado e tiveram de
lhe cortar o rabo, por isso toma cuidado quando travessares a rua.

Na semana passada, o médico veio visitar-me e colocou na minha
boca um tubo de vidro. Disse para ficar com ele por duas horas sem falar.
O teu pai ofereceu-se para comprar o tubo.

Sobre o pai: ele arranjou um bonito trabalho. Tem quase 500
pessoas debaixo dele. Agora é coveiro aqui no cemitério.

O teu primo, o Zé, casou-se e agora reza todas as noites à esposa.
É que ela é virgem e chama-se Maria.

O teu irmão António deu-me muito trabalho hoje. Fechou o carro e
deixou as chaves lá dentro. Tive que ir a casa, buscar a suplente para
abrir.

Por sorte, chegou antes de começar a chuva, pois a capota estava
em baixo.

Se vires a Dona Esmeralda, diz-lhe que mando lembranças. Se não a
vires, não digas nada...

Tua Mãe Maria.

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